No último dia 27 de julho, a EMERJ promoveu encontro, que contou com a participação do juiz chileno Eduardo Gallardo, para debater a audiência de custódia e o estado de transformação/estabilização do processo penal brasileiro.

Tomando por base a experiência chilena e o seu impacto entre juristas brasileiros, por um lado, e o estágio de nosso direito processual penal, por outro, formulei de forma sintética algumas considerações que entendo por bem de divulgar.

Esclareço que os aspectos salientes da experiência chilena, considerados por mim a partir da exposição do juiz Gallardo, foram: a drástica redução dos casos de prisão provisória; a identidade de garante de direitos que o juiz chileno de exame da custódia assume, adotando postura de guardião da legalidade constitucional; a iniciativa probatória das partes; a iniciativa do Ministério Público para as medidas cautelares coercitivas; a aceleração procedimental, não prejudicada pela oralidade, oralidade que integra a estrutura acusatória; a direção burocrática entregue a órgãos especializados distintos do juiz; as longas penas de prisão, cuja execução não fica prejudicada pela liberdade até o trânsito em julgado; e a mudança de atores, a partir de 2000, com a implantação do novo modelo, que o juiz Gallardo definiu como acusatório.

Minha intervenção, de caráter estritamente metodológico, buscou alicerçar-se em perspectivas analíticas que integram análise institucional, definição de contexto histórico e elementos de criminologia crítica a orientar a hermenêutica do processo penal, para valer-me aqui, malgrado de outro modo, da expressão do jurista argentino Alberto BINDER.

I – A experiência chilena: o relato

Sem dúvida impressiona o fato de o Chile conhecer pouquíssimos casos de habeas corpus desde dezembro de 2000, quando teve início a experiência acusatória. Referiu-se o juiz Gallardo a pouco mais de cinco casos de habeas corpus, sempre por conta de ilegalidades que à luz das práticas brasileiras seriam consideradas toleráveis (ex: não apresentação imediata do preso em flagrante para a audiência de custódia).

Igualmente pesa a curta duração da prisão preventiva, sempre excepcional e requerida pelo MP (nunca de ofício), quando inviável adotar medida menos drástica.

Um juiz (ou colegiado de juízes de primeiro grau) sem a iniciativa para cautelares, provas e ação penal representou algo como uma revolução entre os chilenos e somente se tornou possível com a criação do MP (não existia), a capacitação de todos os atores, a redefinição de responsabilidades burocráticas e a aposentadoria dos magistrados que não queriam trabalhar na ou que não estavam de acordo com a nova realidade acusatória. O MP exerce o comando funcional da investigação criminal, que é executada pela Polícia.

O Código de Processo Penal chileno entrou em vigor paulatinamente e sofreu reformas, algumas para aperfeiçoar o caráter acusatório, outras conforme tendência oposta.

Ao fim, o magistrado convidado lamentou o fato de o Chile contar com altas taxas de encarceramento definitivo por 100.000 habitantes (em abril de 2016 o total de presos era de 43.302 presos e 241 na relação por cem mil habitantes – http://www.prisonstudies.org/country/chile. Consultado em 29 de julho de 2016) e penas perpétuas ou com prazo de 40 (quarenta) anos.

A exposição girou em torno do eixo configurado pela noção de “sistema acusatório ou adversarial”, sendo certo, no entanto, que mesmo entre os chilenos havia quem ainda recentemente (2010) destacasse os vícios inquisitórios do modelo em vigor.1

Ficou de fora, todavia, a conjuntura política da reforma processual no Chile, em particular a questão da influência da Justiça de Transição e, se houve, em que medida. Foi abordada a iniciativa do CEJA (OEA) e a influência norte-americana, mas também de maneira sintética devido à limitação de tempo de exposição do juiz Gallardo.

II – A experiência chilena: o contexto

O pensar a reforma de um setor significativo do Estado, que é a Justiça Criminal, exige do processualista penal a articulação de conhecimentos que extrapolam as ferramentas analíticas tradicionais do campo do processo.

A explicação de que houve uma opção política por transformar um sistema de séculos com características do inquisitório em um “moderno” modelo acusatório é insuficiente e insatisfatória, mesmo que venha atrelada a avaliações no campo das mentalidades.

Em primeiro lugar porque a disputa semântica em torno do significado aderente ao significante “acusatório” está longe de ter fim. Basta ver os comentários de Juan-Luis COLOMER2 e a análise de Mirjan DAMASKA3 para compreender que o significante acusatório padece do mesmo mal do “democracia”: ocupa um lugar simbólico no discurso jurídico-político, sem, necessariamente, cumprir uma função de ordenamento da realidade da mesma maneira, em todos os lugares que reivindicam praticar um processo acusatório.

Há processos “acusatórios” para todos os gostos.

Em segundo lugar, a questão que se coloca é que a Justiça Criminal funciona tendencialmente de uma determinada maneira, preexiste às reformas, evidentemente, e pode estar permeável ou não a elas. Por este ângulo, o “acusatório” pode ser apenas um elemento (fundamental) do discurso dos juristas, mas as práticas concretas estarão em concordância ou alheias à previsão deles, juristas.

Sem a segurança de um significado estável, a afirmação de que um sistema é “acusatório” corresponde mais a um desejo (“previsão”?) do que a uma descrição da realidade.

Alberto Binder chama atenção para o fato de o processo penal ser um “saber prático”, que não pode ignorar a realidade das organizações e instituições que compõem o denominado “Sistema Penal” de arbitramento de responsabilidade.4

Existem Poder Judiciário, Ministério Público, Ordem dos Advogados, Defensoria Pública e Polícia. São organizações com história, cultura e características próprias, quer no Chile, quer no Brasil. A Justiça Criminal é uma instituição no interior da qual estas organizações e muitas outras interagem, influenciando-se reciprocamente.

Existem também governos, o Poder Legislativo e personalidades cuja atuação igualmente opera no âmbito da adjudicação de responsabilidade penal no seio da instituição Justiça Criminal.

Os procedimentos adotados em conjunto ou separadamente obedecem ao padrão de interpretação vigente em cada uma das organizações acerca do desenho institucional que corresponde às funções que lhes são atribuídas, de forma expressa ou tácita.

Há claro um papel específico conferido aos juristas na construção, consolidação ou crítica do sistema, mas vai uma enorme distância crer que a dogmática seja, ela própria, o espelho da realidade.

Tomando as coisas por este ângulo, entende-se a afirmação de Ellen IMMERGUT, em “As regras do jogo”5, de que “a mudança é um problema essencial para a análise institucional”.

A “reforma” da Justiça Criminal constitui processo de mudança. De acordo com IMMERGUT, em sua análise sobre a lógica da política de saúde na França, Suíça e Suécia, não são suficientemente explicativos o “poder da profissão”, lealdades políticas ou mesmo a força das burocracias.

É inegável que dinâmicas institucionais e cadeias de decisão política extremamente complexas tenham peso no processo decisório, algo que não é apropriável, analiticamente, pelo exame isolado da atuação e do propósito dos atores envolvidos.

Salienta IMMERGUT que “instituições devem ter uma espécie de capacidade de permanência”.

Quando se cogita de um setor significativo do Estado e da sociedade, como é o caso da Justiça Criminal, independentemente da inclinação inquisitória do modelo vigente e de sua recriminação por toda uma geração de juristas com formação e profissão de fé no Estado de Direito, as forças de resistência à mudança estão presentes e atuam em todos os âmbitos, o que leva a crer que mudanças institucionais “ocorrem durante períodos de tempo mais longos”, como adverte Wolfgang STREECK6, confrontando-se com “causas contrariantes que as desaceleram”.

Mudanças “repentinas”, “drásticas”, da água para o vinho, são incomuns. Daí que aquelas que se apresentam como tais devem cobrar do jurista uma arqueologia analítica pari passu com uma genealogia do poder, porque é de poder que se trata.

No caso do Chile, por exemplo, o golpe de estado de 11 de setembro de 1973 foi acolhido pela Corte Suprema que, enquanto o Palácio do Governo de Allende ardia em chamas, proclamava, no dia 12 de setembro, “o conhecimento do propósito do novo governo de respeitar e fazer cumprir as decisões do Poder Judiciário sem exame prévio de sua legalidade… e manifesta(va) publicamente por isso sua mais íntima complacência em nome da Administração da Justiça do Chile e espera(va) que o Poder Judiciário cumpra(isse) com seu dever, como o fez até agora”.7

A realidade do Chile, durante o estado de exceção, pode ser medida pelas mais de dez mil ações de habeas corpus (sob a denominação de “recurso de amparo”), em sua imensa maioria denegadas, comprometendo a Justiça Criminal chilena com os atentados sistemáticos aos direitos humanos, naquele que foi um período sombrio no país irmão.8

Nem mesmo o retorno à democracia restabeleceu a confiança dos chilenos em seu Sistema de Justiça. A mudança aguda ocorre a partir de 16 de outubro de 1998, quando Pinochet é preso em Londres.

É possível reconhecer nesta nova fase da democracia chilena, que vivenciou a dolorosa etapa do processamento de sua história sob a ditadura, em grande medida com recurso à Justiça Criminal, as excepcionais condições de ruptura com o passado e de significativa mudança, que não encontram paralelo na situação brasileira.

Não se tratou somente de substituir um sistema inquisitório por outro acusatório. A realidade é que não havia mais condições de sobrevivência política de atores judiciais cujo discurso, encampado em suas decisões de sustentação da violência de estado, os comprometia em definitivo em face dos novos tempos.

Neste ponto há algo de explicativo na manutenção de um regime de penas tão gravoso: em 19 de abril de 2008 havia 345 processos criminais abertos ou findos com condenação envolvendo 629 militares e policiais por atentados aos direitos humanos durante a ditadura. Ao mesmo tempo, o Chile segue uma trajetória comum a vários países que aderiram ao neoliberalismo, transferindo à justiça penal parte da responsabilidade por resolver a crise social.

Quando o juiz Eduardo Gallardo reclama de seu sistema de penas e adverte da dureza das incriminações, algo que foi notado por alguns dos investigadores brasileiros que estiveram em Santiago, percebe-se uma “economia de trocas simbólicas no campo penal” por meio da qual, afirmo, um escrupuloso sistema de garantias entrou em funcionamento, mas aliou-se a um rigoroso modelo de intervenção penal, que se legitimou na reação aos crimes da ditadura, mas que, por evidente, como não poderia deixar de ser seletivo, terminou por atingir em cheio as camadas mais pobres da população.

Olvidou-se das lições da criminologia crítica e da experiência latino-americana do Sistema Penal, esta grande máquina genocida que fez e faz história neste coração partido que é o desenho da América do Sul na visão poética de Isabel Allende.

Comparar o atual modelo chileno com o nosso é um desafio que deve considerar os fatores acima mencionados, sob pena de estarmos sempre derrapando em análises que não aderem à realidade.

III – Ligeiras palavras sobre Educação9

Michael APPLE, educador norte-americano, admirador confesso de Paulo Freire, adverte para os efeitos perversos do neoconservadorismo no campo da educação e toma como exemplo a realidade de seu país durante o governo de George W. Bush.

Sublinha APPLE: “O neoliberalismo e o neoconservadorismo estão na posição de comando agora, e não apenas na educação. Em seu percurso de desmantelamento dos programas sociais e econômicos que permitiam a muitos de nossos cidadãos terem uma vida melhor, as políticas econômicas e sociais de hoje, segundo Michael Katz, ‘estratificaram os norte-americanos em cidadãos de primeira e segunda classes, tendo arruinado a prática eficaz da democracia’”.10

Acrescenta APPLE que a ofensiva neoconservadora, na Educação, está relacionada ao momento reacionário que no âmbito da economia se caracteriza por estruturas sociais e de trabalho que, nas “grandes cidades se dividiram basicamente em ‘duas economias amplamente desiguais, mas intimamente relacionadas’… Isso se deve não só a um setor corporativo cada vez mais globalizado que joga os trabalhadores uns contra os outros e exige encargos cada vez mais baixos… Também se deve às necessidades de trabalhadores urbanos ricos ‘que criaram estilos de vida dependentes de um amplo contingente de trabalhadores que recebem baixos salários’”,11 recriando uma “classe servil”.

A exclusão da perspectiva crítica na Educação, quer por exemplo na elaboração dos currículos, quer no debate metodológico e nas práticas educacionais envolvendo toda a comunidade acadêmica, que inclui docentes e todos os profissionais envolvidos no processo pedagógico, além de discentes e seus familiares, com reflexo no conteúdo das atividades, é funcional a um tipo de Escola que prega o concreto “retorno a compreensões rasas de ciência, a busca de soluções técnicas baseadas nessas compreensões, um novo gerenciamento que se baseia no aspecto massificante de um regime em que se ‘mede qualquer coisa que aconteça nas salas de aula’, a redução da educação às habilidades voltadas ao mercado de trabalho e a cultura do poder”.12

O reencontro com essa educação dividida entre a preparação de membros das elites (ou os mais “vorazes”) e a da nova classe servil, que deve ser ensinada a conhecer e reconhecer o seu lugar na pirâmide social, projeto do atual grupo no exercício do poder, no Brasil, ainda que a título provisório, funcionalmente reclama um sistema penal completo e complexo à “norte-americana”: ágil nas respostas, expansivo no que concerne à neutralização de dissidentes via potencialização do encarceramento e que instrumentaliza o exercício da sua hegemonia manipulando midiaticamente concepções moralizantes aptas a apoiar discursos de populismo penal.

Uma Educação que não beneficia amplos setores sociais, particularmente os grupos majoritários mais vulneráveis e que, ademais, restabelece diferenciações fundadas em desigualdades é causa de efeitos discriminatórios e raciais, como observou APPLE, relativamente à sociedade norte-americana e seu implícito “contrato racial”. Uma Educação do gênero requisita sistemas penais rigorosos.

O complexo e desafiador processo político de reforma do Código de Processo Penal brasileiro (CPP) não escapa dessa influência. Por evidente que este não é todo o contexto da reforma do CPP.13

IV – Processo Penal brasileiro como discurso “dos juristas”: do poder dos juristas ao fim do poder dos juristas14

As ideias sinteticamente apresentadas no Seminário fundamentaram-se em uma determinada perspectiva analítica crítica do discurso dos juristas do campo do processo penal.

Expressões como “sistema acusatório”, “oralidade”, “contraditório”, “paridade de armas”, por exemplo, são elementos constantes do discurso dominante entre os processualistas penais, malgrado o imenso desacordo que reina quer quanto ao significado dessas categorias, quer acerca de sua amplitude ideal no âmbito do estado de direito.

Algo que é tomado à partida como certo, isto é, como “dado”, e, portanto, está acima de qualquer discussão, é o “natural” hiato entre a dogmática e a prática jurídica, em especial nos tribunais (mas também durante a investigação criminal, muito embora este setor resulte ainda mais abandonado pela doutrina, salvo as exceções de praxe).

Os juristas práticos (juízes, ministros, procuradores, advogados, policiais) constantemente são acusados de ignorar a dogmática quer por alguma fragilidade em sua preparação (deficiência do ensino jurídico), ou ainda por deliberada opção política, motivada por variadas e nem sempre republicanas razões.

Uma explicação para a “naturalização” do divórcio entre teoria e prática, no âmbito do processo penal, pode ser desenvolvida a partir da tese de que, sendo indiscutível que o processo penal trata de fixação da responsabilidade criminal concreta das pessoas, seu objeto há de abarcar um sistema específico que funciona orientado ao propósito de determinação dessa responsabilidade, e que é composto por normas jurídicas, isoladas ou agrupadas, sujeitos, singulares ou reunidos em organizações, e ainda por instituições, e que, por essa mesma complexidade, não é apreensível apenas pelo discurso jurídico que, sem embargo da autonomia do direito, necessita tomar em considerar elementos dos sistemas político, econômico e social.

O processo penal analisado em sua dimensão real resulta objeto de um feixe de intervenções que são de natureza política, econômica, social e jurídica e que se desenvolvem em um marco delimitado de tempo e espaço que igualmente não pode ser ignorado, sob pena do fracionamento do discurso explicativo oferecer às pessoas uma visão parcial do fenômeno como suposta expressão dessa totalidade, que os juristas insistem que na prática não é de determinada maneira (como deveria ser) por causa das inumeráveis e insuperáveis deficiências dos juristas práticos.

Apenas a título de exemplo do caráter controverso que assumem as questões de tempo e espaço, assim como do papel da teoria crítica neste quadro, releva notar que o grosso das questões penais, na atualidade, tem lugar nas cidades e grandes centros urbanos.

Compreender as metrópoles brasileiras a partir do paralelismo derivado de uma análise comparativa entre cidades de países pós-industriais e de países sub-desenvolvidos leva a conclusões muito diferentes daquelas que são geradas a partir do emprego de categorias de tempo e espaço na análise de dados de constituição do urbano, que são os fatos da geografia contemporânea e que são dotados de historicidade, como alertava Milton SANTOS15 em 1980.

Como o saber do geógrafo, na perspectiva mencionada, outros conhecimentos inerentes às dimensões não propriamente jurídicas são ignorados ou descartados, particularmente quando conduzem a conclusões opostas às teses jurídicas sustentadas como “verdades dogmáticas”. A complexidade da própria noção de “sistema” é abandonada em favor de simplificações que, por não retratarem a realidade, fundamentam acusações à realidade de que esta é infiel à teoria sem que se percebam os furos na teoria mesma.

O preço que uma postura aristocrática da doutrina processual penal paga ao Estado de Direito pode ser medido de diversas maneiras, de que as seguintes são simples ilustrações:

a) pela desvalorização dela, doutrina, no discurso das decisões criminais, cada vez mais autorreferentes e circulares. Acórdãos citam acórdãos e a “verdade jurídica” é afirmada tomando por premissa o mero fato do poder, descolado do saber acumulado ao longo dos séculos; 
b) porque facilita a manipulação na esfera pública, por juízes e outros atores, como o Ministério Público, de dados empíricos que fundamentam políticas criminais; 
c) porque este isolamento da dogmática exterioriza estratégias de exercício do capital científico a serviço dos juristas e não da comunidade; 
d) porque despreza a tendência à estabilidade, que caracteriza as instituições, uma vez que, em geral, sequer reconhece a existência das instituições do sistema de justiça como objeto de suas investigações científicas.

Ao lado desses efeitos nocivos há outro que opera em conexão instrumental com os demais, mas que por fundar a autoridade do jurista desorganiza o saber no lugar de organizá-lo, todavia gozando de status de superioridade hierárquica na esfera dogmática.

Trata-se da instituição de interpretações peculiares ao direito de categorias não jurídicas, que são distorcidas e se tornam irreconhecíveis em seu campo original.

É o caso da noção de “verdade”, cujo uso desprovido da mínima fundamentação epistêmica, por juristas como Hélio TORNAGHI16 e José Frederico MARQUES17, configurou o eixo das práticas penais de índole inquisitorial que ainda dominam o nosso processo penal.

A opção teórica por uma “verdade real”, concebida como “causa finalis da instrução e, portanto, do próprio processo”, como referida por Frederico Marques, forneceu o argumento dogmático para dar sustentação a práticas inquisitórias ordinárias de nosso Sistema de Justiça Criminal. A rigor – e embora a posteriori – as várias defesas da tese de que há uma “verdade real” a que o juiz criminal deve ter acesso para decidir, contribuíram para legitimar o funcionamento da agência judicial (e da policial) conforme ímpetos de conhecimento dos fatos que não se continham em limites estabelecidos por regras jurídicas.

Quando o juiz Sérgio Moro defende o aproveitamento de provas obtidas por meios ilícitos18, a rigor nada mais faz do que resgatar para o âmbito da normatividade a tradição anterior à Constituição de 1988, que orientada pelo princípio male captum bene retentum, privilegiava a informação em tese proporcionada pela prova ilícita, apesar da ilegalidade da sua obtenção.

No Brasil, vista pelo ângulo do institucionalismo histórico, a defesa do emprego de provas ilícitas para processar e condenar não pode ser considerada surpreendente. Um sistema que funciona ignorando a limitação dos meios em prol dos fins opera com respaldo dogmático – fundado na prevalência da “verdade real” sobre limitações ao conhecimento dos fatos -, mas também se desenvolve à margem da dogmática, bastando para isso que os juízes ignorem as alegações de ilicitude probatória, o que ocorre com certa frequência.

O que motiva a retomada do discurso público de que a prova ilícita deve ser admitida contra acusados é a percepção, pelos atores que dirigem processos criminais de corrupção, de que a proteção constitucional (art. 5º, inc. LVI) supostamente configura barreira à punição de pessoas que integram setores imunizados à persecução penal.

Limitar a análise do processo penal ao discurso dos juristas do campo importa, no exemplo citado, desconsiderar: a) que os suspeitos de sempre (menção ao filme Casablanca, de Michael Curtiz) não gozam da mesma proteção constitucional de um processo com proibição de prova ilícita; b) que a seletividade penal igualmente tem lugar na incriminação de delitos de corrupção em sentido lato (lavagem de dinheiro, tráfico de influências etc.). O menosprezo ao contributo da criminologia crítica termina por prestar serviço a ações de natureza política e, no limite, até mesmo a golpes de estado com a feição com que se apresentam na América Latina (golpes parlamentares).

Ao revés, observando o modo como a instituição Justiça Criminal efetivamente atua, é possível empregar metodologias do institucionalismo histórico, como as referidas por Andrés DEL RÍO19 e perceber que a hipótese de a Constituição de 1988 ter funcionado como breakdown histórico, em relação à referida instituição, está equivocada.

O tema é complexo para ser abordado nos limites de um post, mas a questão colocada, fundamental para pensar a “reforma” como categoria – no caso, reforma do CPP – requisita um olhar penetrante nas estruturas da instituição, mas além disso compreender as expectativas geradas pela Constituição de 1988 e os limites dessas expectativas.

Se é o caso de supor que a Constituição de 1988 está dotada de força suficiente para constituir-se em causa de “abrupta mudança institucional”, capaz de pôr fim a um longo período de estabilidade inquisitorial do Sistema de Justiça Criminal, configurando ela mesma um breakdown histórico, conforme o idealiza Stephen KRASNER20, a retomada com aparente normalidade, do debate sobre teses como a do aproveitamento da prova ilícita, não seria explicada, salvo como algo folclórico.

Mas não se trata de folclore, tampouco do único tema em que são percebidas as permanências inquisitórias, marcadas pela predominância da crença da superioridade dos fins a justificar o sacrifício dos meios. Acrescente-se também que a estabilidade de um Sistema de Justiça Criminal inquisitório não pode ser creditada a um só juiz ou a poucos Procuradores da República.

A afirmação pelo Supremo Tribunal Federal da validade jurídica de atos praticados no âmbito da Operação Lava Jato por juiz que flagrantemente não é competente viola outro preceito constitucional essencial para a ruptura com o passado inquisitório da instituição Justiça Criminal: o que está definido no inc. LIII do art. 5º que, à semelhança da presunção de inocência, da proibição da prova ilícita e do monopólio da ação penal pública pelo Ministério Público (art. 129, I – retirando em tese do juiz os poderes inerentes à acusação) configuraria o eixo dessa ruptura institucional necessária para dar cabo de um passado de violência de estado praticada a pretexto de “combater” a criminalidade.

Percebe-se nestes casos a incidência de forças de resistência à mudança – “causas contrariantes” – citadas no primeiro post21, que em minha opinião atuam de diversas maneiras: quer ignorando as violações mais evidentes a regras constitucionais e legais; ou estabelecendo sentidos contrários ao texto da Constituição, como no julgamento por maioria do HC 126.292 (presunção de inocência).

Compreender este fenômeno, pois, importa ter uma visão mais abrangente do que a que resulta da análise tradicional da dogmática do processo penal, que ao tratar das condições hipotéticas de validade jurídica dos atos da persecução penal fica impotente diante de práticas institucionais concertadas de violação sistemática da Constituição e dos tratados de direitos humanos.

Com ênfase em outras questões, igualmente cruciais, Del Río sublinha que, no lugar do emprego da noção de breakdown histórico, há de se ter em mente o fenômeno das transformações graduais em contextos de continuidade.22

Realça este autor, com apoio em Kathleen THELEN, que “por quê as instituições tomam a forma que tomam é uma questão de institucionalismo histórico, que parte das instituições como produtos de um processo temporal concreto e de lutas políticas”.23

Análise mais precisa das reformas processuais penais passa, portanto, pela identificação desses processos, das lutas políticas e dos atores nelas envolvidos. Em suma, cuida-se da determinação do contexto ou da constatação da historicidade que envolve a instituição.

A título de exemplo, e voltando ao papel que a dogmática do processo penal atribui à “verdade” e de como as diferentes instituições lidam com este papel, basta saber que em 1824, nos Estados Unidos da América, Thomas Starkie, em seu “Tratado prático de direito probatório”, cuidava de analisar os critérios de admissibilidade das provas perante jurados e que a obra por excelência, a tratar de direito probatório no âmbito do Common Law, foi publicada em 1898 [J. B. Thayer, “Um tratado preliminar de provas no Common Law”].24

Enquanto nosso modelo inquisitório cuidava de empoderar os juízes criminais na busca da verdade, a ponto de sacrificar os meios para supostamente alcançar este fim, o modelo adversarial norte-americano paulatinamente configurou um conjunto de dispositivos – standards de admissibilidade e avaliação da prova – voltados a impedir o arbítrio e o capricho de decisões que sequer eram fundamentadas.

Trata-se de caminhos diferentes para solucionar a questão da responsabilidade criminal.

Em ambos os casos a compreensão dos modelos desafia mais do que as definições jurídicas que possam ser conferidas à prova e ao processo penal em contraditório.25

V – Quem joga o jogo da Reforma do Processo Penal no âmbito do Sistema de Justiça Criminal brasileiro (continuação)

Em 1779, Ned Ludd, operário inglês, quebrou máquinas, inconformado com a economia de mão de obra que elas proporcionavam. O fato em si não foi original. Como salienta HOBSBAWN26, a destruição de máquinas vinha sendo praticada como técnica sindical contra a redução de salários.

O simbolismo da ação de Ludd, que originou o adjetivo “ludismo”, consistiu em provocar uma reação contra a forma que tomava o capitalismo emergente, afetando fatores monetários (desemprego e padrão de vida) e não monetários (liberdade e dignidade)27, reação que se espalhou e se reproduziu ao menos até 1830.

Interessante notar, como sublinham Diogo Ramada CURTO, Nuno DOMINGOS e Miguel Bandeira JERÓNIMO, que a luta dos camponeses ludistas pela manutenção de uma determinada forma de coexistência levou a que estes camponeses se associassem aos grandes proprietários agrícolas e senhores de terras em “acordos ocasionais para proteger modelos de sociedade ameaçados”.28

A percepção dessa associação inusitada – “alianças improváveis entre classes” – facilita o entendimento acerca das condições de instituição do moderno capitalismo industrial, mas sua identificação, crucial para as ciências sociais na contemporaneidade, somente se torna possível com emprego de uma lógica de longa duração que, nas palavras dos professores portugueses, é reivindicada “como se a distância introduzida tanto pela história ou pela antropologia se revelasse uma experiência fecunda para melhor compreender os problemas do presente”.29

A análise da reforma do processo penal brasileiro com emprego da lógica de longa duração mostra que as forças conservadoras favoráveis à manutenção de estruturas inquisitórias transitaram da figura do “jurista do campo” – malgrado, a toda evidência, haja juristas acadêmicos conservadores – para as corporações profissionais, em particular o ministério público e a magistratura.

A hipótese da comunicação, antecipada na primeira parte do texto, pode ser resumida da seguinte maneira: a Constituição da República de 1988, como diploma jurídico-político de compromisso com a transição para a democracia, assumiu a normatividade de princípios jurídicos (presunção de inocência, devido processo legal, imparcialidade judicial etc.) e formatou um quadro de direitos (direito de defesa, direito a não ser processado com provas ilícitas etc.) e garantias (contraditório, paridade de armas e de conhecimento, fundamentação das decisões etc.) que se chocam com a tradição autoritária.

O choque não podia ser resolvido ao nível do discurso jurídico pelos juristas acadêmicos senão pela atitude de ignorar as novas categorias, algo que até ocorreu no início da vigência da Constituição, mas tornou-se inviável com o prosperar de uma cultura jurídica constitucional.

Aos juristas acadêmicos o único caminho possível consistiu em buscar atribuir significados aos novos mecanismos processuais penais inspirados em experiências advindas de países com mais longa tradição democrática. A luta travada na academia pode ser expressa em uma disputa pelo protagonismo na construção das bases para consensos alargados em torno das noções de sistema acusatório, contraditório, motivação das decisões, competência, imparcialidade, invalidade, meios de impugnação, conceitos fundamentais no âmbito do processo penal.

Por maior que tenha sido a inclinação conservadora do jurista, até recentemente, o processo de constitucionalização das práticas do Sistema de Justiça Criminal vedava retrocessos na dicção dos conceitos fundamentais das disciplinas jurídicas.

Isso explica, segundo meu juízo, a forte oposição que atualmente pode ser constatada entre as ideias defendidas pelos juristas acadêmicos e as que vigoram na prática policial e judiciária.

Na tradição do autoritarismo brasileiro as Forças Armadas cumpriram por muito tempo o papel de representantes dos ideais de significativa parte de nossas classes médias e das elites econômicas. A sua intervenção nos processos políticos, quer por adesão a líderes civis ou protagonizando rupturas institucionais, contou com apoio entusiasmado dos setores conservadores da sociedade brasileira.

Por sua vez, desde o início do Século XX estes setores controlam pela via de oligopólios as principais empresas de comunicação social, posicionando-se como atores políticos influentes e porta-vozes da preservação do status quo.30

A opinião monopolizada pelos meios de comunicação é constrangedoramente conservadora e a prática das editorias repele a pluralidade de pontos de vista e diversidade de interesses. Aquelas opiniões e aqueles interesses contrários às posições que defendem as grandes empresas da mídia são demonizados na arena pública, quase sempre mediante o recurso à incriminação de seus defensores e à censura moral.

No atual contexto e nos casos de conflito entre pretensões conservadoras e de transformação social (reforma), contexto no qual as Forças Armadas não mais intervêm no quadro político como expressão dos interesses de grupos e classes mais conservadores, paulatinamente o ministério público foi ocupando o espaço de mediador político, inclinado à representação de uma hipotética “moral média” que, como em todas as épocas anteriores, na esfera da Justiça Criminal, nada mais é do que o conjunto de pretensões de parte das elites e classes médias, diferenciando-se imensamente, na forma e no conteúdo, das intervenções do ministério público em outras áreas sensíveis da cidadania (meio ambiente, defesa de vulneráveis etc.).

De todo modo, o ministério público assumirá lentamente, a partir de meados dos anos 70 do século passado, o lugar de representante de uma sociedade civil fragilmente organizada e fraturada, e o de árbitro de contendas “políticas”, função que no passado coube às Forças Armadas.

O cientista político Rogério Bastos ARANTES sintetiza bem o que significa o ministério público brasileiro na atualidade, permitindo que se visualize diferenças significativas com os ministérios públicos chileno, norte-americano (adversarial system), português, italiano e alemão. Literalmente:

“Em certa medida, a análise institucional prevista na primeira vertente poderia ser suficiente para demonstrar como o Ministério Público brasileiro se transformou no agente principal da judicialização da política no Brasil hoje. Em termos de análise comparativa, inclusive, há fortes indícios de que estamos diante de uma instituição singular. 
Entretanto, tão ou mais importante que os aspectos institucionais dessa mudança é a dimensão da ação concreta, orientada por uma visão doutrinária e ideológica especial dos integrantes dessa instituição.

A observação da atuação de promotores e procuradores e dos valores ideológicos que estão disseminados no interior da instituição permitiu-nos concluir que o Ministério Público está passando, nos últimos anos, por um processo de reconstrução institucional extraordinário. 

Os resultados de nossa pesquisa empírica, na linha da segunda vertente apontada acima, demonstram que esse processo teve e tem fortes traços endógenos: os próprios integrantes do Ministério Público, imbuídos da convicção de que devem se tornar defensores da sociedade, desenvolveram ações dentro e fora de seu círculo normal de atribuições, com vistas a transpor as fronteiras do sistema de justiça stricto sensu e invadir o mundo da política. 

A análise desse fenômeno de origem endógena nos levou a construir o conceito de voluntarismo político, pelo qual pretendemos explicar o modo como o Ministério Público se transformou em um novo ator político.”31

Este novo ator político está dotado de prestígio social. A sua evolução mesmo, em termos numéricos e em organização, revela a importância da corporação no cenário das reformas do Sistema de Justiça Criminal.

Dados do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) demonstram o peso da corporação, ramificada por todo país, mas em geral unida por aquela “dimensão da ação concreta, orientada por uma visão doutrinária e ideológica especial dos integrantes dessa instituição” ressaltada por ARANTES. Abaixo:

Corregedoria Nacional do Ministério Público. Relatório de atividades 2006:
200632:

9.113 (MPE e MPDF) / 1.466 (MPU)

Total: 10.579 membros providos do Ministério Público.

Conselho Nacional do Ministério Público. Ministério Público: um retrato 2016. 
201433:

10.758 (MPE e MPDF) / 1.918 (MPU)

Total: 12.676 membros providos do Ministério Público.
2006: 15.026 magistrados / 10.579 membros providos do Ministério Público.
2014: 16.782 magistrados / 12.676 membros providos do Ministério Público.

Outros elementos não devem ser subestimados. A substituição do “poder dos juristas” pelo “poder das corporações”, no âmbito da reforma do Sistema de Justiça Criminal, também deve ser medida pelo impacto social e político dos denominados maxiprocessos, de que o do “Mensalão” e o conjunto de processos da “Operação Lava Jato” são os principais exemplos.

Vale, ainda, sublinhar que malgrado a atuação do ministério público no âmbito da reforma do sistema de justiça criminal esteja orientada pelo ethos conservador mencionado, opondo-se em geral à posição dominante entre os juristas acadêmicos, a corporação atua também dirigida pelo propósito de reconstituir interpretações jurídicas conservadoras, inspiradas em parte na tradição anterior à Constituição de 1988, recorrendo à ampla atuação em esferas que ordinariamente ficavam reservadas aos juristas acadêmicos.

Trata-se de uma disputa travada no campo do ensino jurídico, marcado pela presença de relevantes estudiosos, que integram a corporação, mas também pela difusão de escolas preparatórias para os seus concursos e mesmo pela instituição de uma Faculdade de Direito do Ministério Público, no Rio Grande do Sul.34

Disputas por conceitos na área jurídica não são desprezáveis porque a legitimação das decisões proferidas reclama fundamentação que deve provir do campo, apesar de não ser necessariamente consensual.

No caso do ministério público, por fim, a campanha pela aprovação das “10 medidas contra a corrupção”35 indica bem a conversão da corporação em importante ator político, que articula alianças estratégicas com outros atores, ocasionalmente do mesmo lado, unidos na trincheira conservadora, como no exemplo dos ludistas e dos grandes senhores de terra da Inglaterra do Século XVIII.


NOTAS

1 CASTRO VARGAS, Carlos Henrique. Resabios Inquisitivos en el Proceso Penal Chileno. Santiago de Chile: Editorial Metropolitana, 2010. p. 121-123.

2 Introducción al proceso penal federal de los Estados Unidos de Norteamérica. Valencia: Tirant lo Blanch, 2013.

3 Las Caras de las Justicia y el Poder del Estado: Análisis comparado del proceso legal. Santiago de Chile: Editorial Juridica de Chile, 2000.

4 BINDER, Alberto M. Derecho Procesal Penal. Tomo I. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2013. p. 13-29.

6 Tempo Comprado: a crise adiada do capitalismo democrático. Tradução de Marian Toldy e Teresa Toldy. Lisboa: Conjuntura Actual Editora, 2013, p. 16-18.

7 GARRETÓN, Roberto. Capítulo 3: Los tribunales com jurisdición penal durante la transición a la democracia em Chile. In: ALMOVIST, Jessica; ESPÓSITO, Carlos (coords). Justicia transicional em Iberoamérica. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2009. p. 71.

8 GARRETÓN, obra citada, p. 72-73.

9 A Reforma do Processo Penal como objeto de análise: a economia das trocas simbólicas no campo penal (2): no último dia 27 de julho, a EMERJ realizou Seminário Internacional com o objetivo de debater a audiência de custódia e, de um modo geral, a reforma do processo penal brasileiro. Em post anterior divulguei algumas das considerações expostas no mencionado evento. A partir de agora exporei argumentos adicionais, mais especificamente relacionados ao processo brasileiro, pois que o outro texto tratou do Chile. Porque sustento que a mudança está inserida em um contexto maior, início por me referir ao papel da Educação. Em tempos de retrocesso conservador, que é ilustrado pela “proposta” da “Escola sem Pensamento Crítico”, considero essencial reavivar determinados conceitos e convicções.

10 Ideologia e Currículo. 3ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. p. 11.

11 APPLE, Michael, obra citada, p. 11.

12 APPLE, Michael, obra citada, p. 13.

13 No próximo post retomarei os elementos da análise institucional e a partir deles me empenharei por identificar os diferentes contextos das mudanças no Brasil, mas entendi conveniente e oportuno registrar o quanto o projeto “Escola sem Pensamento Crítico” configura uma peça a mais em uma engrenagem política, econômica e social que desfigura o Estado de Direito e apela para a Justiça Criminal como instrumento de “pacificação social”.

14 No último dia 27 de julho, a EMERJ promoveu encontro, que contou com a participação do juiz chileno Eduardo Gallardo, para debater a audiência de custódia e o estado de transformação/estabilização do processo penal brasileiro. Nos dois posts anteriores tratei, respectivamente, do contexto histórico da reforma chilena e de uma das facetas do neoliberalismo, tal seja, a naturalização do aprofundamento das desigualdades e o papel que o Sistema de Justiça Criminal cumpre neste quadro. Inicio agora as considerações sobre as reformas do processo penal no Brasil sob o ponto de vista do institucionalismo histórico.

15 SANTOS, Milton. A Urbanização desigual. 3ª ed. São Paulo: EDUSP, 2012. p. 14.

16 TORNAGHI, Hélio. Instituições de Processo Penal. Vol. 4. Rio de Janeiro: Companhia Editora Forense, 1959. p. 217.

17 MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Vol. 2. Rio de Janeiro: Companhia Editora Forense, 1961. p. 279.

19 El desarrollo institucional de la Corte Suprema de Justicia Nacional y del Supremo Tribunal Federal: trayectorias comparadas desde el establecimiento a la redemocratización. Curitiba: CRV, 2014.

20 Apud, DEL RÍO, Andrés, obra citada, p. 30.

21 STREECK, Wolfgang. Tempo Comprado, obra citada, p. 16.

22 Obra citada, p. 31

23 Id., tradução livre.

24 DAMASKA, Mirjan R. El derecho probatorio a la deriva. [Evidence law adrift]. Madrid: Marcial Pons, 2015. p. 20.

25 No próximo e último post tratarei pelo mesmo ângulo da reforma do CPP em curso na Câmara dos Deputados.

26 HOBSBAWN, Eric. Os destruidores de máquinas. In: Pessoas extraordinárias: Resistência, rebelião e jazz. 4ª ed. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 2016. p. 21.

27 Id., p. 25

28 A Grande Transformação, de Karl Polanyi: questões de interpretação. In: POLANYI, Karl. A Grande Transformação. Lisboa: Edições 70, 2016, p. 20.

29 Id., p. 26

30 BARROS, Bruno Mello Corrêa. A Constituição Federal e a concentração da mídia: a propriedade cruzada e o risco à liberdade de expressão e diversidade informativa. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=5e80048377635f2a.

31 ARANTES, Rogério Bastos. Ministério Público e a política no Brasil. São Paulo: EDUC: Editora Sumaré: Fapesp, 2002. p. 15.

32 CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Relatório de atividades 2006. Disponível em http://www.cnmp.mp.br/…/relatorio-corregedoria-cnmp-2006.pdf. Consultado em 03 de agosto de 2016.

33 CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Ministério Público: um retrato: dados de 2015, Vol. 5. Brasília, CNMP, 2016. Disponível em http://www.cnmp.mp.br/…/document…/MP_um_Retrato_2016_web.pdf. Consultado em 03 de agosto de 2016.