No Brasil vivemos tempos de intensa aceleração da ação. O ritmo imposto pela sucessão de fatos parece indicar a todos os que têm alguma responsabilidade que é dever seu agir, que não devem pecar pela omissão, pois o não agir seria indicador de fraqueza, conivência com desmandos e erros.

Enfim, fazer algo é considerado tão urgente e inevitável, que a reflexão, prudência e o pensamento complexo são descartados a priori. Quando nosso olhar se volta para as questões mais comezinhas e cotidianas percebemos que a pressa na ação, como se coloca na esfera pública, quase sempre sinaliza para o propósito de aproveitar uma oportunidade. A experiência da vida privada parece sugerir que a oportunidade não aproveitada é oportunidade definitivamente perdida… não se repetirá jamais.

Por isso o olhar astuto, atento às oportunidades. A esfera pública, todavia, não é ou não deve ser regida pelo tempo e a lógica das oportunidades. Há pouca diferença entre oportunidade e oportunismo. Na esfera pública são tomadas decisões que afetam a vida das coletividades e que podem perpetuar-se, influindo em gerações de pessoas. Mulheres e homens públicos deveriam, portanto, imunizar-se contra o vírus do oportunismo.

Na República o oportunismo haveria de ceder à reflexão, ao debate informado e, principalmente, haveria de ser domado pelo respeito escrupuloso às regras do jogo democrático, com clara delimitação de deveres, direitos e responsabilidades.

Há algum tempo alerto para o fato de que autoridades e pessoas comuns optaram por margear as regras e aproveitar oportunidades, sem pesar as consequências de trafegar sistematicamente pelas margens. De tanto que se anda pelas margens, o acostamento se converte em via expressa, todavia não sinalizado e de trânsito não regulado, onde o que vale é a força bruta (política, econômica, midiática ou social) pura e simplesmente.

O sujeito oportunista pode supor que, porque dirige o “carro maior ou mais potente”, tem controle sobre a situação. Isso é enganoso. A própria dinâmica social trata de fazer circular essa força e quem hoje domina a via, amanhã poderá ser jogado para fora dela.

As ciências sociais não têm recursos divinatórios para determinar o que se passa na cabeça das pessoas. Não estarei muito longe da verdade, no entanto, ao sustentar a hipótese de que determinados agentes públicos, exauridos pelo fracasso em reprimir a corrupção política e empresarial, lançaram-se com todas as forças, pela estrada da legalidade e pelo acostamento marginal do ilegal, para combater o desvio de recursos públicos.

O oportunismo neste caso decorre de querer fazer das margens a estrada principal da fiscalização e controle da coisa pública, alterando artificiosamente suas próprias competências e poderes. E, na sequência, pretender institucionalizar o acostamento com apoio na opinião pública. Outros oportunismos saíram de sombras muito menos nobres. Para conter o inevitável impacto das investigações de corrupção, atores importantes não tiverem pudor em incentivar a onda de impopularidade do governo eleito em 2014.

Setores das classes médias insurgiram-se com o resultado de uma eleição que não pretendiam perder. Com amplo apoio das empresas de comunicação social fizeram o jogo dos oportunistas incomodados com a investigação da corrupção e margearam as regras da legitimidade política. De oportunismo em oportunismo a vida pública brasileira seguiu. As ações reclamavam outras ações que as confirmassem ou reforçassem seus efeitos e propósitos, ainda que ao custo de não abandonar o acostamento.

A ilegitimidade instaurou-se no coração político do País e buscou salvar-se no oportunismo da (falsa) estabilização da economia, entregando ao único governante de fato, o atual Ministro da Fazenda, as chaves da vida econômico-financeira nacional.

Este aproveitou a situação, o medo da catástrofe econômica e a força brutal do capital financeiro para impor projeto que assegura permanentes benefícios ao capital financeiro, especulativo ou não, igualmente à margem dos debates que deveriam mediar a grave e séria deliberação política. Enfim, nos convertemos em uma sociedade de oportunistas e não em uma sociedade de oportunidades. Agitados pela “necessidade” de ação e seduzidos pela possibilidade de ser o beneficiário da ocasião, o individualismo nos levou ao ponto extremo no qual nada vale e, portanto, tudo vale.

Em uma situação extrema penso que a solução está em recorrer à sensatez. Parar momentaneamente de agir na esfera pública, refletir suspendendo prejulgamentos (petista, de esquerda, conservador, liberal etc).

No atual contexto as leis produzidas só podem ser desastrosas. A ação, como é constatável com bom senso e sinceridade, empurra a todos na direção do abismo. O passo prudente, que paradoxalmente deve ser pela deliberação de não agir, deve partir de quem ainda tem algum resquício de credibilidade. Na minha opinião, caberia ao Ministro da Fazenda mobilizar-se para substituir a PEC 55 por um projeto mais palatável e consensual, que equilibre a necessidade de arrumar as contas públicas com o objetivo de não paralisar atividades e especular com um futuro de infortúnios, sofrimento e desesperança.

Iniciativa do gênero pode ensejar um círculo virtuoso de reflexões e debates prévios às deliberações que transforme o atual cenário de vendetas recíprocas, prometidas e aplicadas, em um quadro de responsável gestão republicana da coisa pública em todas as esferas, incluído aí o Poder Judiciário. A arte de Paulinho da Viola consagrou a máxima que vem da Bahia de Dorival Caymmi: Bem faz o velho marinheiro, que durante o nevoeiro leva o barco devagar.

Publicado no Justificando.