Muitas vezes me perguntam sobre o trabalho de consultoria jurídica, em especial no que concerne à emissão de estudos e pareceres. Com frequência as indagações partem de jovens advogados que também manifestam interesse pelo magistério. Penso que é conveniente opinar a respeito.

Pela normativa da OAB, a consultoria jurídica é atividade privativa de advogados e advogadas (art. 1º, inc. II, da Lei nº 8.906/94). Sem embargo, o fato é que a consultoria jurídica se aproxima bastante das práticas do magistério em direito, principalmente se estas práticas são concebidas a partir do tríptico ensino-pesquisa-extensão. Me fixarei na consultoria jurídica orientada à responder a indagações sobre temas específicos, não necessariamente dirigidos à elaboração de estratégias de partes e interessados extrajudicialmente.

A concepção e implementação de estratégias de atuação administrativa ou em juízo, no âmbito contencioso, está vinculada ao interesse concreto da pessoa representada pelo advogado. A consultoria solicitada como opinião jurídica sobre determinado tema e sua identificação em um caso do mundo da vida deve estar desvinculada deste «interesse concreto da pessoa representada pelo advogado consulente», cabendo ao consultor atuar com imparcialidade e em sua pesquisa e estudo abordar todos os elementos fáticos e jurídicos que encontrar e que tenham relação com a matéria tratada no parecer.

A consultoria jurídica, portanto, caracteriza-se como algo aparentado com a perícia oficial, pelo ângulo da imparcialidade do perito, do dever de não omitir teses, argumentos e elementos fáticos pertinentes ao assunto do parecer. Na tradição do Common Law o autor do parecer jurídico o apresenta em forma de declaração que, se oferecida para embasar julgamento, deverá ser reiterada oralmente em juízo, sob o crivo do contraditório e mediante o compromisso de dizer a verdade. Na nossa tradição, herdada do direito continental europeu, o parecer jurídico cumpre ainda uma função mais relevante.

Enquanto no âmbito do Common Law o direito é fortemente constituído pelos juízes, sendo as decisões judiciais a fonte mais relevante, o direito de tradição continental europeia é em sua maior parte configurado pelo corpus da doutrina, pelo conjunto de conceitos e noções que resultam da interpretação dos professores e professoras de direito especializados em cada área. As leis são fontes relevantes, como o são as decisões dos juízes e tribunais, mas a doutrina ocupa lugar de particular protagonismo pela própria estrutura e organização de nosso sistema em sua tarefa de coerentemente aplicar o direito. Mais ainda. Em seu parentesco próximo com as atividades de pesquisa e extensão, a doutrina avança sobre terrenos que apenas depois – e às vezes até «muito depois» – leis e decisões judiciais percorrerão.

Neste sentido, os pareceres jurídicos emitidos por profissionais em domínios precisos, bem determinados, funcionam como fontes de novas soluções jurídicas para problemas antigos, cuja complexidade até então não havia sido completamente percebida, e/ou oferecem soluções a novos problemas, surgidos em virtude da veloz transformação social, em um processo dinâmico cujos efeitos e consequências demandarão tempo para serem absorvidos por leis e decisões administrativas e judiciais.

O parecer jurídico, portanto, não se confunde com a defesa de interesses parciais, muito embora seja usado pela parte se coincidente com estes interesses. A defesa dos interesses da parte incumbe ao advogado/defensor e à advogada/defensora. O propósito do parecer jurídico deve ser esclarecer determinado assunto jurídico ambíguo, obscuro, novo ou complexo que evidencia estas características em uma situação concreta. As teses jurídicas estão sujeitas à modificação de interpretações canônicas quando testadas no cotidiano dos conflitos reais, com suas múltiplas e quase infinitas variações.

Há um aspecto, no entanto, que aproxima a consultoria jurídica prestada para esse fim ao estatuto da advocacia. O consultor jurídico, à semelhança do advogado do contencioso, está obrigado pelo dever de confidencialidade, que está alicerçado na Constituição e que conforma esta atividade como essencial à Justiça.

Em minha experiência pessoal a quantidade de consultas não aceitas é infinitamente maior que a de aceitas. Em alguns casos, os consulentes creem que teses jurídicas são aplicáveis aos fatos das suas causas e, apesar de se tratar de teses jurídicas de aceitação compartilhada pela comunidade jurídica, o consultor não identifica relação com os fatos da causa.

Isso é muito comum em temas novos, como por exemplo os relativos ao processo digital ou à prova eletrônica. Também muitas vezes a recusa decorre de o consultor não compartilhar da mesma opinião de outros professores e professoras acerca de determinados assuntos. Para ficar na minha experiência, as divergências que tenho com determinadas concepções restritivas de separação de poderes e sistema acusatório ou com concepções extensivas (de aproveitamento) da prova ilícita para fins de persecução penal.

Aqui se coloca a questão ética que a mitologia dominante ignora ao atribuir aos antigos virtudes lendárias que em verdade configuram comportamento anti-ético que provavelmente nunca praticaram. As consultas formuladas por advogados e advogadas em geral são precedidas por pré-consultas e isso porque estes e estas têm o dever de atuar em favor da pessoa que representam e também porque há o dever recíproco de confidencialidade (do consulente e do consultor) que permite o compartilhamento de informações essenciais à formação da convicção do consultor.

Assim, nas hipóteses em que o consultor diverge da concepção prévia do consulente não cabe ao consulente atuar em desfavor da pessoa que representa. A consulta é recusada pelo consultor, que permanece vinculado ao dever de confidencialidade. É o que ocorre com a maioria das consultas, incluindo aquelas que gerariam pareceres jurídicos pro bono. Para o caso, é indiferente se o parecer jurídico seria ou não remunerado. Como também é indiferente que seja usado, na área criminal, em favor da defesa ou da acusação.

Atuei em casos em que a dúvida estava ligada a interesses da acusação (c/fixação de tese pelo STJ a respeito) e outros do interesse da defesa. O aspecto central é que o parecer jurídico não cumpre uma função ou outra (acusação ou defesa). Ele simplesmente visa aprofundar o conhecimento jurídico acerca de determinado tema a partir das circunstâncias dos casos concretos.

Voltando à questão proposta pelos jovens advogados e advogadas, penso que a atividade de consultoria jurídica reclama dedicação a áreas muito específicas do direito cujo domínio é em regra mais bem consolidado articulando-se a prática da advocacia, e seu Código de Ética, com a experiência no magistério, visto pela tripla lente do ensino, pesquisa e extensão.

Espero que minha opinião tenha sido útil. No mais, é somente a minha opinião a respeito.

Geraldo Prado, 28 de fevereiro de 2021